Anos e anos já se passaram nesse planeta e nós
ainda não conseguimos compreender o mecanismo da fé na vida humana. Continuamos
confundindo a fé com a crença e nos acorrentamos cada vez mais a uma racionalidade
limitada, distanciando-nos consequentemente da Verdade libertadora ensinada por
Cristo.
A crença direciona-se sempre a um objeto externo
seja ele uma ideia, igreja, mestre, filosofia, ritual ou dogma. Muitos dos que
abraçam o espiritualismo, hoje em dia, caem na armadilha da crença sem que
disso se deem conta. Passam a direcionar sua atenção e moldar suas vidas com
base num mestre iluminado ou numa ideia nova vinda de um missionário rejeitado
pelas tradições, e cometem o triste erro de pensar que isso em muito se
diferencia do apego dos adeptos a religiões ou instituições. Sempre que nos
movemos direcionando a nossa energia, credibilidade e atenção a algo fora de
nós, agimos com base na crença, e não na fé. Não importa se esse algo externo é
uma ideologia nova, ou um novo método libertador e belo de autoconhecimento, ou
um ensinamento sagrado de um dos grandes mestres que essa humanidade já
recebeu: se basearmos nossa missão individual apenas nisso, seremos escravos da
crença. Viveremos bem e nos movimentaremos com conforto, firmes em nossos
propósitos e em paz com nossas consciências, enquanto o objeto externo se
mantiver lá nos sustentando. Mas se algo o abalar, estaremos perdidos, confusos
e solitários.
Ao contrário da crença, a fé liberta, pois se baseia
na verdade crística que existe dentro de nós. A fé não busca um objeto externo,
pois ela alimenta-se em nossa própria consciência, sustenta-se com o amor do
nosso SER superior e movimenta-se livremente por esse mundo, sem nos aprisionar
e sem se conter em canto algum. Todos os meios externos - religiões, rituais,
filosofias, ideologias, ensinamentos, livros, cantos, mestres - todos estes são
instrumentos de auxílio, placas no caminho para que encontremos a fé para
alimentarmos a nossa existência. A fé verdadeira vem da simples descoberta, do
simples percebimento de que somos muito mais do que um amontoado de pensamentos
e sentimentos descontrolados, que somos muito mais do que espíritos que nascem
e morrem, que sofrem e aprendem; somos essência, somos amor, somos manifestação
de uma consciência superior que atua no mundo material através do espaço que
abrimos em nossa individualidade.
Se conseguirmos ver além do que desejamos, além
do que pensamos, além do que fazemos e ainda mais além daquilo em que
acreditamos, perceberemos que é um simples esforço de despertar, de perceber o
que nos sustenta. Descobriremos, então, que todas as crenças, tudo o que é
ensinado à humanidade, todos os dogmas, rituais e ensinamentos são apenas pistas
deixadas por aqueles que um dia descobriram realmente a fé e a viveram com toda
a liberdade que ela promove no indivíduo. A estes só o que resta a fazer é
deixar indicativos, pois a busca é pessoal e intransferível, a paz de espírito
e liberdade de consciência é uma conquista de cada um, é responsabilidade
individual.
Temos caminhado por tanto tempo confundindo as
placas com a estrada, os meios com os fins, e ainda nos questionamos por que
não conseguimos nos libertar do vazio que toma nosso coração. A fé é o alimento
da existência. Ela nasce no amor incondicional do SER que realmente somos e
move-se para iluminar nosso entorno, sem depender de nada do que falamos, que ouvimos
ou vemos fora de nós. É essa a fé que liberta, que nos mantém fortes diante das
adversidades, que nos faz inabaláveis perante os desmoronamentos que por vezes
ocorrem no plano material.
Estamos em tempos de desconstrução. Filosofias,
dogmas, novas ideias, ensinamentos sagrados, religiões, instituições, trabalhos
em grupo, tudo em que até agora acreditamos será abalado, destruído e
modificado. Aqueles que estiverem apegados à crença, mesmo que disso não se
apercebam, os que ainda se movimentam na horizontalidade da existência, que
ainda dependem de instrução alheia e os que se movem de acordo com o que o
mundo externo oferece sofrerão, pois verão desconstruído o que lhes era
inabalável e pensarão ter perdido a fé. Pensarão ser isso um terrível fardo e
ficarão confusos, sem saber como caminhar a partir daqui.
O sofrimento destes cessará assim que descobrirem
que a fé não se perde, pois que ela nasce da fonte inesgotável da consciência e
não precisa de nada externo e racional para se movimentar. Pararão de sentir
dor assim que compreenderem que devem abandonar a crença e descobrir, enfim, a
fé libertadora que tantos mestres viveram e sobre a qual falavam. O apego ao
que tem que ser desconstruído trará ainda mais turbulência, pois a alma humana,
infelizmente e em muitos casos, só consegue abrir os olhos quando as sólidas
estruturas da vida externa são abaladas. Não há necessidade de sofrer, não há
uma punição sendo imposta a nenhum dos filhos terrenos, mas existe a nova
consciência que se instala no planeta e tudo o que a ela não se adaptar, terá
que ser desconstruído.
Essa não é a era da crença, nem de mestres fora
de nós. É a era do despertar, da responsabilidade existencial, da conexão com a
consciência em nós. Ainda teremos as placas, ainda teremos os instrumentos
amorosamente deixados, mas já é hora de caminhar enfim, sem a ninguém culpar,
sem de ninguém esperar. Urge o momento de percebemos o mundo em nós, a fé
libertadora da consciência, pois sem nos apercebermos disso, nada poderemos
fazer pelos que estão a nossa volta. Imersos à crença, em tempos de
desconstrução, apenas espalharemos em nosso entorno revolta e incertezas,
causando ainda mais sofrimento e atrasando ainda mais a construção do novo
tempo.
Que então a fé se estabeleça, trazendo-nos o
equilíbrio e a sabedoria dos despertos, para que saibamos separar o joio do
trigo, para que consigamos ler todas as placas com amor incondicional e
desapego. Já é hora da liberdade, já é hora de nos alimentarmos diretamente na
fonte, para que passemos a nos sustentar na fé inabalável que a ninguém quer
convencer, que com ninguém busca discutir, que de ninguém exige coisa alguma. A
fé que nos faz amar apenas, que nos dá a capacidade de nos movimentar em meio
ao conflito e através da dor, sem nos deixar contaminar pelo sofrimento, sem
nos permitir derrubar pelo orgulho, pela vaidade e pelo desejo de saber todas
as respostas. É um novo tempo, enfim; e que bom que nem nisso precisarmos
acreditar, pois a crença nada nos acrescenta, nunca, em tempo algum e por
nenhuma razão.
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