quarta-feira, 26 de maio de 2010

O desabafo da Mãe Terra


Gaya, a Mãe natureza, nos recebeu em seu seio com tanto amor! Alimentou-nos, cuidou de nós e nos proporcionou tudo o que precisávamos para sobreviver e para viver. Criança que a humanidade era quando ela a recebeu, acordava seus filhinhos todas as manhãs com uma brisa fresca e com o espetáculo do nascer do sol. Fazia brotar os alimentos que plantávamos, nutria nossa colheita e limpava o nosso corpo com água límpida e fresca em abundância. Oferecia-nos o perfume das flores, o cheiro de terra molhada, o som das ondas quebrando na praia. Não satisfeitos com nada que ela nos dava, exigíamos mais e mais, e ela, gentilmente, abriu os braços e permitiu que sacrificássemos algumas de suas árvores, alguns de seus animais, para que tivéssemos melhores abrigos e melhor alimento. Suportou nossas lamentações e limitações, retribuindo toda a nossa ingratidão com a noite estrelada e com o céu azul.

Mas não tínhamos condições para perceber nada disso. A essa altura, o orgulho e a vaidade já nos tinham tirado a simplicidade da alma, e nos esquecemos do essencial. Passamos a não mais perceber a beleza do pôr do sol, do mar, das cachoeiras e das montanhas. Já não sentíamos o perfume das flores, e nem víamos a água da chuva cair sobre a terra. Preocupados que estávamos em obter o máximo que podíamos de Gaya, não conseguíamos mais sentir o seu carinho, nem assistir a seus espetáculos diários. E como toda boa Mãe, a natureza se sacrificava. Dava-nos tudo o que exigíamos, mesmo sabendo que de nada aquilo precisávamos para ser felizes. Retribuía aos golpes dolorosos em suas florestas com o sorriso de cada amanhecer. E para acalmar nossos ânimos, tentava chamar a atenção com um fim de dia especial, ou com a graça de um animalzinho, ou caprichava no balançar das águas. E nós, em agradecimento, criamos as indústrias e passamos a poluir seu ar e a jogar lixo em seus rios e mares.

Como a Mãe natureza sofreu! Em momentos extremos de dor, ela chorava tanto e sofria tanto, que até estremecia seu corpo. E ao invés de perceber o seu sofrimento intensificamos as extrações, os sacrifícios, as matanças e as poluições, pois, afinal, de que vale o choro de uma mãe perto do lucro do mercado financeiro? Tantos conselhos nos deu, tantos apelos fez, e nada. Continuamos exigindo e cobrando. Queríamos mais recursos naturais, mais petróleo, mais pedras preciosas, mais minerais rentáveis, mais dinheiro, mais tecnologia, mais, mais, mais...

E a Mãe Gaya, já cansada e desiludida, enfim, percebeu que não a ouviríamos, que continuaríamos em nossa ganância até que destruíssemos uns aos outros. Estávamos fazendo mal não só a ela, mas a nós mesmos. A raça humana seria destruída. “Não, não permitirei que meus filhos se destruam! Jamais!” Assim pensou a Mãe Terra. E decidiu avisar aos mais indisciplinados que, se não aprendessem a respeitá-la, ela teria que puni-los. Avisou uma, duas, centenas de vezes, e nada. Continuávamos a dilacerar nossa própria mãe, cegos e impiedosos, presos em nossa própria doença autodestrutiva. Amaldiçoávamos e culpávamos a Deus pelas tragédias que se seguiam, e éramos incapazes de ver que a força divina nada tinha a ver com isso. Era um problema entre mãe e filhos. Deus apenas dá a cada um segundo a sua própria obra, e as sementes plantadas pelos filhos homens eram as piores possíveis. Deus teria que respeitar a decisão de Gaya.

Nós destruíamos o planeta, matávamos uns aos outros, escravizávamos a natureza e ainda culpávamos ao Invisível, achando-nos vítimas. Não, não era possível permitir a um filho fazer tanto mal assim a si mesmo e ao ambiente em que vivia. Então, como boa Mãe que é, a Terra tomou uma decisão definitiva. Quanto sofrimento ela suportou e quanta dor sentiu ao perceber qual era a única atitude a ser tomada! Por que seus filhinhos não aprendiam pelo amor e pela sabedoria? Por que escolheram a dor? Será que não percebiam que não precisava ter sido assim? Nunca deixou de amá-los; nem por um momento deixou de cuidar deles, mas agora era preciso salvá-los deles mesmos.

Agora, depois de muito protelar, a Mãe machucada e com o coração sangrando decidiu agir. Não há outra forma: Gaya tem que gritar com todas as suas forças, tem que impor a sua voz e exigir o respeito que lhe foi negado. Seu corpo tremerá como nunca antes, e muitos de seus filhinhos não suportarão. Alguns perderão a suas próprias vidas, outros terão que ser levados ao castigo, talvez em um planeta mais duro, que lhes eduque com mais severidade, mas não poderão permanecer sob a proteção dela, que não mais lhes suporta os maus tratos. Tudo fez e tudo suportou, mas é chegada a hora de se fazer ouvir, pois a natureza materna não mais agüenta tanto sofrimento.

A Mãe Terra está chorando! Sua dor já se faz perceptível a todos nós. Tão doloroso é o seu pranto que até os céus estão em luto. Todos os seres divinos observam e oram por Gaya, esperando o momento de consolá-la pela perda daqueles filhinhos que não aceitaram seus avisos. Mas eles sabem que ela continuará sofrendo, até que todos os seus afetos respeitem seus sentimentos e lamentações, até que toda a humanidade recupere a simplicidade da alma, aquela que despertará novamente em nós a capacidade de admirar o pôr do sol, a dança das águas, a noite estrelada, as flores do campo; que nos ensinará, mais uma vez, como é bom sentir o cheiro da terra molhada e das flores da primavera, e que realinhará os nossos sentidos para que possamos sentir a carícia dos ventos velozes e da brisa suave, e para que consigamos ouvir a música da chuva e do mar.

Nesse dia, faremos as pazes com Gaya, lhe pediremos perdão, a aprenderemos a respeitá-la. E ela, como toda boa Mãe, nos acolherá novamente em seu seio, e seguirá nos proporcionado a Vida e nos ensinando a viver. E antes de dormir, todas as noites, oraremos por aqueles que não estão mais aqui, e sentiremos que a Mãe Terra também sente a falta de todos eles. Agradeceremos a ela pelo amor e dormiremos em paz, descansando nossos corpos para mais um dia de trabalho limpo, a fim de que consigamos nos redimir com aquela que nos acolheu e a quem tanto mal fizemos.

Denise da Mata




2 comentários:

  1. Olá Disa!
    Não me contive ao ler o texto de vocês e resolvi comentar aqui!
    Meus parabéns! Vocês conseguiram transpor a essência do tema em forma de poesia e isso é lindo!

    Vou virar seguidor do seu Blog

    Beijão!!

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  2. Disa, muito belo o texto, parabéns! Amei!

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